sábado, 26 de janeiro de 2019

Artigo - OREMOS POR BRUMADINHO

Isac Machado de Moura*

O meio ambiente e as questões ambientais nunca fizeram parte da "agenda" das igrejas evangélicas brasileiras, nem das teologias tradicionais.
Nós, protestantes, somos "adestrados" ao longo de nossa formação cristã a olharmos para o planeta como um lugar de passagem, uma plataforma de trem, um aeroporto, uma rodoviária. E sendo apenas um local de passagem, ficou na cabeça da maioria de nós que não temos que cuidar do planeta. Uma geração inteira cresceu ouvindo: "...passarinhos, belas flores/ querem me encantar/ São VÃOS terrestres esplendores / Mas contemplo o meu lar..." Em 48 anos igrejísticos bem vividos nunca tive nas mãos uma revista de Escola Bíblica Dominical sobre esse tema, a não ser quando, já adulto, fiz uma. 
Foi exatamente ouvindo a música citada acima, lá na minha pré-adolescência, que comecei a desconfiar. Eu já gostava de passarinhos livres e das belas flores e não me pareciam VÃOS. Quando muito, EFÊMEROS, mas aí li O Pequeno Príncipe e já nem efêmeros me pareciam. Muito cedo, professores me ensinaram sobre o planeta como a casa da humanidade. Mas pouco se falava sobre preservação ambiental nos anos 70 e 80. Foi a ECO92, no Rio de Janeiro, que trouxe o meio ambiente com força para as escolas. 
Quando comecei a dar meus primeiros passos na Teologia, lá pelos anos 80, fiquei meio bolado com a ausência do tema. No meu primeiro curso de Teologia, Leonardo Boff e sua Teologia da Libertação me foram apresentados de maneira pejorativa. Eu deveria manter distância. Isso me aguçou. Fui ler Leonardo Boff. Me apaixonei pela Teologia da Libertação. Mais tarde, a Teologia da Libertação me levou para a Teologia da Missão Integral, do René Padilla. Ambas abordavam as questões ambientais ausentes nas teologias tradicionais e na liturgia da igreja. Fui avançando nesse mundo novo que se abria pra mim. Já adulto, conheci a Ecoteologia. Orgulhosamente, participo de uma denominação (Igreja Batista) que em 2011, tendo como relator um dos maiores educadores batistas dessa geração, pastor Lourenço Stelio Rega, elaborou a "Carta de Niterói", documento da CBB - Convenção Batista Brasileira sobre o tema (disponível em www.bastistas.com), porém como a nossa convenção não é um "Vaticano", ou seja, não é deliberativa, mas apenas orientativa, a maoria das igrejas não trabalham, ainda, a Carta de Niterói, e muitas lideranças a desconhecem.
Nesse momento, diante das desgraceiras de Brumadinho, fico pensando se as igrejas batistas da rota das desgraceiras conhecem ou trabalham a Carta de Niterói.
Sim, é preciso orar pelo povo e pelo meio ambiente de Brumadinho, mas seria bem interessante não eleger presidente com discurso de "vou flexibilizar as leis ambientais", "vou acabar com a indústria de multa do IBAMA". Não adianta orar por Brumadinho e achar legal ter um ministro do meio ambiente mais comprometido com a Vale do que com a dor das famílias enlutadas. Deus não costuma ouvir orações carregadas de hipocrisia e contradições desse tipo. Mas oremos por Brumadinho, rezemos, exerçamos nossa fé sempre, e no momento certo, nossa cidadania, sempre pensando no todo e não apenas em nós. É preciso cuidar dos passarinhos e das belas flores. Tudo bem ver o planeta como passagem, mas a terra não é uma passagem apenas para a minha geração, é para toda a humanidade. Logo, é preciso cuidar. É preciso denunciar. Feito isso, oremos por Brumadinho.

*Professor; teólogo; escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário