sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

DEMÉTRIO SENA E AS CONSEQUÊNCIAS DE SUAS CONVICÇÕES

Paulo César dos santos

As postagens do professor e escritor Demétrio Sena (foto) em rede social durante a campanha presidencial deste ano renderam muitas críticas acirradas, ofensas pessoais e até algumas inimizades. Entre elas, da parte de amigos de longas datas e até de pessoas de laços consanguíneos. Inimizades que não partiram do Demétrio Sena, pois ele postava (e posta) só em seu perfil, não marcava pessoas, nunca usou termos desrespeitosos para falar dos eleitores de Jair Bolsonaro, a quem combateu e ainda combate, nem deixou de procurar seus afetos, não importa a ideologia. 
"Sempre houve neste país, campanhas acirradas nas quais os debates eram acalorados, mas nunca vi em nenhuma ocasião, um fanatismo tão grande, a ponto de fazer com que pessoas rompessem amizades e até laços consanguíneos por causa de um candidato, como ocorreu com os eleitores de Bolsonaro. Amigos de longa data, que tenho em alta conta e não os ofendi, entraram de sola em minhas postagens e me dirigiram ofensas abertas, com agressões mesmo e ironias raivosas, a cada vez que usei meu direito de opinar. Até familiares pirralhos, que nada sabem da vida, me insultaram e pretenderam dar aula sobre Bolsonaro, de alguma forma deixando claro que eu tinha que escolher não exatamente entre seu candidato e o meu, mas entre seu candidato e eles", disse o autor de OVO À MILANESA, INFINITO PROVISÓRIO e outros 17 livros.
Votei no Bolsonaro, por motivos inteiramente alheios aos do Demétrio, somos os mesmos amigos de sempre, e ele me respeitou todo o tempo, mas entendo seus motivos e temores relacionados a um militar no poder: Ele foi vítima repressão, e assisti a isso algumas vezes, quando simplesmente caminhávamos juntos. A sua postura sempre contestadora, de não aceitar abusos contra ele mesmo nem contra os outros fê-lo ser conduzido por militares, algumas vezes, para se explicar sobre alguma palavra em público, algum poema obscuro publicado nos jornais da época e até algum discurso em ambiente fechado, que  chegava ao conhecimento das autoridades. Isto, já nos anos finas da ditadura; imaginem como não eram as coisas na efervescência do regime.
Não vejo o risco de uma nova ditadura, como ele vê, e tenho meus otimismos relacionados ao Jair Bolsonaro. Nem por isso deixo de ver pelos olhos e as perspectivas do Demétrio, quando percebo o número de militares que estão sendo convocados para compor o governo, e a ausência de um só nome mais liberal. Todos são conservadores e linha dura. Ainda não me arrependi do voto. Só não posso deixar de enxergar alguns indícios que justificam os temores e as críticas do escritor mageense de coração. Não tenho como contestá-lo cerradamente, pois entendo que ele possa ver, com sua experiência à flor-da-pele, algumas peculiaridades que ainda não vejo. E como sei que não sei tudo, sou cauteloso. Além do mais, meu amigo tem para mim, uma importância que nenhum ícone político jamais teve em toda a minha vida e minhas militâncias.
Demétrio também se entristece ao ver que muitas pessoas - eleitoras de Bolsonaro - que o acolheram em tempos difíceis da adolescência e pré-juventude - quando ele vivia pelas ruas de Piabetá, trabalhava durante o dia e cada noite pernoitava em um canto - ficaram melindradas durante a campanha. Umas deram um gelo e outras nem falam mais com ele. "Sou profundamente grato a todas as pessoas que me deram amizade, carinho, confiança, assessoramento cultural, apoio à minha veia poética e algumas vezes até acolhida em seus lares, mas preciso ser quem sou. Sou capaz de beijar os pés dessas pessoas, carregar suas malas, fazer reverências e até obedecê-las em outras questões, de tão grato que sou, mas no que tange minha cidadania, meu direito de voto, manifesto e pensamento, não posso. Sinto muito, mas não posso, por mais que deseje. E até me assusto, ao constatar que essas pessoas transforam tais questões em promissórias que não tenho como pagar, porque se o fizesse, confesso que seria hipócrita de minha parte", afirma.
Vejo com tristeza e muito pesar, essa exigência velada de pagamento. Uma chantagem afetiva que descaracteriza todo o bem algum dia feito. Que joga por terra todo conceito de amar de graça. De solidariedade sem interesse. De bem querer sem preço posterior. Com sinceridade, vejo o Demétrio agir exatamente como ele disse, com essas pessoas que um dia o acolheram de alguma forma: Praticamente beijando seus pés; carregando suas malas; fazendo reverências e obedecendo em outras questões, de tão grato e reconhecido que às vezes é.
Ainda vai levar um tempo para o brasileiro amadurecer neste contexto de respeito à individualidade do outro. Sobretudo, do outro mais frágil. Já até briguei com o Demétrio, dizendo a ele que ninguém quer a ditadura de volta; que ele está enganado, isso não vai acontecer. Tentei fazê-lo desistir de votar no Haddad, ou no PT, sem sucesso, e aqui estou defendendo-o. Ele faria o mesmo por mim, se me visse também numa ilha, duramente criticado e sofrendo o afastamento de pessoas que amo, por causa de um político distante de minha realidade, meus laços afetivos e planos pessoais de um futuro incerto. E cá pra nós, qualquer eleitor pode estar engando.
O fanatismo religioso não é o único que massacra, isola e separa o ser humano. É também pernicioso, na verdade mais ainda, o fanatismo político. Até porque, no fanatismo religioso, por mais que estejamos errados, loucos e cegos, cometemos nossas atrocidades em nome de um Deus que é de fato Deus. No fanatismo político, primeiro transformamos em Deus - no nosso imaginário -, um ser humano cheio de defeitos, como nós, e depois ofendemos, humilhamos e até rompemos com pessoas essenciais em nossas vidas... e lá na frente, não raramente veremos que somos nada e ninguém pros deuses humanos em nome dos quais nos aviltamos.

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