sexta-feira, 28 de agosto de 2015

ARTIGO - ANIMADOR CULTURAL É CULTURA... PELO MENOS TEM QUE SER

Demétrio Sena, Magé - RJ.


A figura do animador cultural foi criada no complexo educacional do Estado do Rio de Janeiro para desenvolver um trabalho de cultura e cidadania com os alunos e, sempre que possível, com a comunidade ao redor da escola onde ele atua. Não é (e sempre foi orientado pelos setores da SEEDUC ligados à natureza de seu trabalho a não aceitar que seja) uma espécie assessor pedagógico, burocrático nem administrativo.
Temos de atuar em sintonia com o Plano Político Pedagógico, mas com projeto próprio; que tenha nossa cara; nossa natureza; nossa forma diferenciada de atuação. Trai o caráter da função e nos faz não somar positivamente, como a SEEDUC deseja que somemos para a formação cultural e cidadã do aluno, se o nosso trabalho se resumir a ensaiar, para os professores, grupinhos de alunos que se apresentarão em datas comemorativas, confeccionar cartazes encomendados por professores e direção, cuidar da decoração da escola ou auxiliar nas broncas nos alunos. É claro que a colaboração fluente, mútua e natural entre todos os funcionários de qualquer ambiente de trabalho é sadia e necessária, mas essa colaboração deve ser exatamente assim: fluente, mútua e natural. Sem que nenhum profissional perca sua identidade, se anule ou se torne uma espécie de joguete ou trunfo, para os demais.
É bastante proveitoso, por exemplo, quando o animador cultural e o agente de leitura ou bibliotecário se unem no trabalho em prol da ampliação dos horizontes intelectuais/culturais dos alunos. Isso tem tudo para dar certo. No entanto, há que se evitar o equívoco de que um deles deve se tornar uma espécie de contínuo do outro. Deve ser um trabalho junto, em comum, mas respeitando-se a natureza de ambos, bem como seus tempos e formas de atuação dentro do mesmo projeto. Acredito, realmente, que a biblioteca é o setor que mais tem a ver com as características do animador cultural. O que também não pode ocorrer é o animador cultural se tornar bibliotecário, por ajuste ou rotina.
O sucesso do trabalho da animação cultural, como de qualquer trabalho, passa pelas condições materiais, humanas e de ambiente. O professor precisa de diário, papel ofício, lousa, caneta, sala de aula, acesso a computador com internet, sala para planejamento etc. E tem. O secretário precisa de papéis, cadeira, mesa, computador etc. E tem. O funcionário de limpeza precisa de vassoura, rodo, sabão, detergente, panos etc. E tem. A exceção, em todo o complexo, é o animador cultual. Ele não tem a mínima estrutura para desenvolver seu trabalho, embora desenvolva mesmo assim, porém de forma precária.
O Rodrigo e eu, por exemplo, animadores culturais do CIEP Brizolão Pedro Américo, em Suruí – Magé desenvolvemos com os alunos um trabalho bastante focado em teatro, literatura e artes plásticas. O registro de nossas atividades está no blog nossabiblioteca.zip.net. Mas não é nada fácil para nós, trabalhar nosso projeto. Não podemos contar com o mínimo de estrutura. Para o trabalho com teatro, não contamos com adereços simples, maquiagem também simples, tecidos, sala para ensaios e tudo o mais. Para o desenvolvimento normal do blog da escola, não temos acesso a computador com internet. Para trabalharmos com literatura, não contamos com papel, tinta, impressora, e também com sala para ensaios. E quando promovemos eventos como exposições de artes plásticas e saraus, não podemos contar com um coquetel simples, estrutura básica para suporte das obras, decoração de auditório, som e condições mínimas para divulgação impressa desses expedientes. E a sala que todo animador cultural tinha para planejar e se reunir com alunos foi retirada. Não temos mais endereço na unidade escolar. 
Não culpamos a direção local por tudo isso, pois cremos que ela não seja orientada a contento sobre a natureza real de nosso trabalho, que as visitas com o fim de fiscalização escolar também desconhecem, e por isso não sabem como orientar. Na verdade, a direção nem sabe se pode ou não utilizar a verba de cultura que a escola recebe, no trabalho de animação cultural. Geralmente, a fiscalização apenas manda que nos mandem trabalhar, com a única preocupação de garantir que não fiquemos fisicamente parados. É como o caso daqueles donos de lojas de artigos de cama e mesa, que dizem aos seus gerentes para mandarem os balconistas se movimentarem mexendo com os panos, quando não há cliente, apenas para que não haja impressão de loja vazia e sinais de ociosidade. 
Queremos atuar a contento. Com a finalidade original de trazer cultura e cidadania para o ambiente escolar, por meio de um trabalho adequado ao PPP da escola, porém, diferenciado; com a nossa identidade. De uma forma que encante o aluno; quebre a rotina da sala de aula e lhe permita o prazer de participar; não a obrigação. 
Queremos, acima de tudo, voltar a ter na SEEDUC, setores e pessoas que entendam nosso trabalho. Sejam comprometidas conosco. Para tanto, pedimos a volta da coordenação de animação cultural e do articulador cultural em cada região. De imediato, pelo menos a volta do articulador, eleito entre os animadores culturais, para orientar, agregar, promover as reuniões de planejamento e ressuscitar a promoção dos eventos culturais nas comunidades. Com a permissão da SEEDUC, nós mesmos cuidaríamos disso e tomaríamos para nós o compromisso de apresentar os resultados em pouco tempo.
Querem que trabalhemos de fato, e o façamos com eficiência? Então, por favor, não nos boicotem nem cortem as nossas asas burocratizando um trabalho que só funciona com independência e liberdade de ação. Evidentemente, sabemos disso, de forma a contribuir com a formação não apenas pedagógica, mas também cultural e cidadã do aluno. Ou então continuem nos fazendo mexer com os panos, apenas para provar que não estamos fisicamente ociosos.

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