segunda-feira, 21 de abril de 2014

JUSTIÇA QUE MATA

De alguma forma, foi a justiça que matou Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, não importa pelas mãos de quem. Se hoje estão presos o pai, Leandro Boldrini, de 38 anos, médico cirurgião; a madrasta, Graciele, de 32 anos, enfermeira; e uma amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz, de 40 anos, assistente social, a sociedade abranda sua indignação, mas Bernardo continua morto. Ele poderia estar vivo, se os sinais de que sua morte era tragédia anunciada fossem ouvidos pelo ministério público e pelo magistrado. Um desses sinais foi a outra tragédia anunciada, a da morte de sua mãe, a também enfermeira Odilaine, em 2010. 

Depois da morte de Odilaine, Graciele e Leandro se casaram, e segundo as investigações, a partir daí Bernardo passou a ser tratado como um intruso dentro da própria casa. Édison Müller, pai de um amigo de Bernardo, relatou à justiça: “A relação era de abandono, abandono mesmo. Porque a gente não os via juntos nunca. O pai dele nunca foi a uma reunião de pais. Ele ia sozinho em reunião de pais no colégio”. A ex-babá de Bernardo também contou algo muito importante: “Uma outra vez, ele me contou que ela (a madrasta) tinha batido nele de vassoura, que ele era mal tratado, que ela não gostava dele. Ele também não gostava dela”. Sinais. Que a família, a comunidade, a sociedade não veem, muito menos a justiça, mesmo quando ocorre algo ainda mais gritante, como em janeiro deste ano: Bernardo foi sozinho ao fórum de Três Passos, reclamou de falta de afeto e disse que não queria mais morar com o pai e a madrasta. Bastou o pai prometer um pouquinho mais de atenção, para uma ação judicial visando passar a guarda do menor para a avó ser imediatamente cessada.
Foi por essa frieza da justiça que muitos outros crimes anunciados, clara ou veladamente, foram cometidos. Muitas mulheres, crianças e outros inocentes morreram, porque ninguém acreditou nas iminências, nos sinais, nem mesmo nos pedidos claros de socorro. Preguiça e má fé, algumas vezes venalidade da justiça levaram esses crimes a se tornar tristes realidades que viraram meras estatísticas. Depois do pior, as prisões e satisfações prestadas à sociedade não resolvem nada; isso, quando existem as prisões, pois em alguns casos, tudo cai no esquecimento e nos velhos arquivos mortos. Engavetamento é feito queima de arquivo: mata-se toda e qualquer lembrança pública com o espalhafato de novas notícias, de crimes ou não, e todos calam a boca. 
É desta forma que a sociedade, a opinião pública e a justiça continuam matando. Não importa pelas mãos de quem. 

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