Demétrio Sena
Leigos em vinhos, como eu, sempre tendem a crer que o vinho velho, abandonado, esquecido em qualquer canto e de qualquer forma se torna um vinho melhor (vinho, quanto mais velho, melhor). Ledo engano. Esse produto esquecido, abandonada à sua sorte, nem precisará de anos para se tornar algo sem qualquer valor. Ao invés de vinho, será vinagre; mesmo assim, totalmente impróprio para consumo, pois até o vinagre consumível tem que ser produzido com critérios mais rígidos do que o simples virar vinagre.
O bom e precioso vinho envelhecido é aquele que precisa de cuidados especiais para ser também especial: É criteriosamente armazenado em barril de carvalho. Fica por muitos anos em ambiente de clima monitorado e passa por processos que jamais saberei informar, pois me faltam conhecimentos que só são adquiridos também ao longo de muitos anos. Tudo que sei é que esse processo de envelhecimento exige muito mais do que o sofrimento aleatório e desassistido que se atribui entre nós, ignorantes no assunto, a uma bebida que até os deuses apreciam. Pelo menos diz a lenda, que sim.
Também sou leigo em ser humano, mas posso dizer que um ser humano maduro e preparado pra vida não é aquele que simplesmente ficou velho. Quem já viveu muitos e muitos anos, mas de qualquer maneira, sem os critérios devidos ao seu processo de envelhecimento, apenas perdeu tempo. Virou vinagre sem qualidade. É o tal velho de alma jovem, que mora dentro de um rótulo destoante para sua idade. Esses velhos não envelhecidos hoje babam por menininhas (ou menininhos), amarram cabelos longos, empinam motos e bicicletas no asfalto, fazem algazarras com a “galera” realmente jovem e nem percebem que são apenas diversão garantida para tal galera.
Quem se aproxima desses homens (ou mulheres), na intenção de conhecer alguém especial, faz algo semelhante a abrir uma garrafa de vinho há muito esquecida e se frustrar ao ver que lá dentro só há vinagre. Vinagre acre. Totalmente impróprio para consumo. De bom, mesmo, só a lição de que não existe velho de alma jovem. Existe velho ridículo. Cuja alma não acompanhou o corpo. Cujo corpo já não se aguenta, mas continua se pondo sobre todos os valores reais que o tempo transforma e sobrepõe ao passar dos anos, para que se tenha o que ensinar às futuras gerações. O velho tem que ser novidade para o jovem; não a cópia forjada e sem sucesso desse jovem que precisa de espelho.
Não há nada contra ser velho que busca saúde e autoestima com exercícios físicos e outras práticas sadias para qualquer idade. Muito menos contra ser velho de vida social plena. Nem contra a velhice bem humorada e a busca eterna do saber; da cultura; do lazer sem fraudes. Nada, mesmo, contra a simpatia real, que não constrange nem se torna caricata. Em absoluto, nada contra o direito à vida em qualquer faixa etária.
Envelhecem com critério, fazem do corpo o melhor barril de carvalho, e da mente o alambique adequado para tanto, aquelas almas que não veem na velhice uma espécie de maldição que precisa ser ludibriada. Esses velhos têm um conceito enxuto de velhice. São vinhos especiais, cujos rótulos não enganam. Quem os abre, de fato encontram do melhor vinho e absorvem o melhor de um ser humano que realmente viveu até então, e continua vivendo, sem nenhuma fraude; nenhum boato vazio de si próprio.
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