O historiador, professor e escritor Felipe Ribeiro concedeu uma entrevista ao blog Entreolhos, em conexão com a página em rede social, de mesmo nome. Nossa equipe gostou muito dos enunciados e das respostas de Felipe, sobre a história e o patrimônio de Magé. Entramos em contato com a equipe de Entreolhos e conseguimos permissão para reproduzir a íntegra da entrevista, que segue abaixo:
FELIPE MERGULHA FUNDO NAS ÁGUAS DA HISTÓRIA
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Foto de perfil em rede social |
O entreolhado de hoje é o jovem Felipe Ribeiro. Ele é
professor, historiador, acaba de lançar um livro. Nasceu no distrito de Santo
Aleixo, na cidade de Magé. Tem se destacado pelo apuro de sua escrita, e pelas
muitas participações em eventos de natureza cultural, especialmente no que se
refere ao patrimônio de sua cidade.
E – Felipe; ao que nos consta, você ainda é jovem; mesmo
assim, já tem uma trajetória digna de ser mostrada. Esse seu envolvimento com a
história e a lida com as questões sociopolíticas do país, com foco maior em sua
cidade, mais ainda, no distrito em que nasceu começou quando e de que forma?
F - É muito bom ser visto como uma pessoa jovem. Tenho 34
anos e espero manter meu espírito jovem, independente da idade. Boa parte dos
projetos de que participo e hoje estão tendo maior visibilidade são fruto de
sonhos acalentados desde a minha adolescência, em Magé. Estudava no Colégio
Cenecista 1º de Maio e, juntamente com outros colegas de turma e professores, tivemos
a ideia de criar um jornal da escola. A proposta foi adiante e lançamos o
Informativo Colégio 1º de Maio, em 1997. Mas o jornal não ficou restrito ao
público estudantil, como pensamos no início. Ele se tornou um “jornal da
comunidade”, como dizia seu slogan, publicando diversas notícias do distrito e
do município. E lá foi minha grande escola! Um dos intuitos do jornal era
levantar a autoestima local e mobilizar a população em prol de melhorias. Daí
começamos a fazer reportagens com pessoas e instituições que desenvolviam
trabalhos bacanas na região, bem como com mageenses que passaram a residir em
outros lugares e se destacavam em suas atividades. Além disso, publicávamos
reportagens contando histórias da cidade, buscando resgatar memórias locais. E foi
a partir das pesquisas e entrevistas para essas matérias do jornal que decidi
ingressar na universidade, no curso de História. E fui pesquisar justamente a
trajetória dos trabalhadores e fábricas têxteis da região.
E – Você pode dizer que tem ícones em sua cidade? Pessoas
que o inspiraram ou inspiram, tanto no início quanto em sua permanência na
trajetória escolhida?
F - Uma pessoa que me inspirou bastante, desde o início do
jornal, e acabou se tornando um grande amigo, foi o pesquisador Ademir Calixto,
que reúne materiais históricos sobre a cidade há décadas. Foi a partir do seu
acervo que as primeiras matérias foram produzidas e depois começamos a buscar
fontes junto aos moradores, como fotografias, documentos, objetos, além da
realização de entrevistas. Ao conhecer tantas histórias de trabalhadoras e
trabalhadores, eles também se tornaram (e são até hoje) uma grande inspiração
em minha trajetória, na busca de tornar memórias subterrâneas em memórias
públicas. Algo que me marcou muito, recentemente, foi quando visitei a operária
Lúcia de Souza, que estava acamada e infelizmente faleceu pouco depois. Ao
presenteá-la com o “Memórias da Moscouzinho”, Dona Lúcia disse que era bom ver
as histórias dos operários em um livro e destacou: “agora não vão dizer que é
mentira, meu filho”. Contribuir para o resgate dessas histórias e evitar que
elas “morram” com o falecimento de seus personagens são tarefas que me
emocionam e gratificam. Eu passei minha infância em uma vila operária, gerações
de familiares trabalharam nas fábricas de tecidos da cidade, uma trajetória
também vivenciada por tantos amigos e conterrâneos. É uma honra, como professor
e historiador nativo, participar desse processo.
E – Como você pode definir sua cidade no cenário político do
estado do Rio de Janeiro e no próprio país? Qual é a real importância de Magé,
em sua opinião, e a importância que o poder público local reconhece, com
atitudes?
F - A cidade de Magé está intimamente inserida em diversos
momentos históricos do país: a fundação da cidade do Rio de Janeiro e a
colonização do recôncavo da Guanabara, o caminho do ouro para as Minas Gerais,
a primeira fábrica de tecidos fluminense, a primeira ferrovia brasileira, os
“Horrores de Magé” durante o conflito da sucessão presidencial logo no início
de nossa República, a industrialização, as lutas operárias ao longo do século
XX, enfim... Estes são apenas alguns exemplos. Infelizmente, muitos de nós,
mageenses, não conhecemos essas histórias e o poder público tem grande
responsabilidade nisso! É triste constatar que a história da cidade ainda não é
debatida na escola e difundida junto à população. Há algumas ações isoladas
nesse sentido, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Parece que não
percebem (ou não querem perceber) que todo esse patrimônio histórico de Magé
pode constituir como um elemento decisivo para fortalecer a identidade local e
o próprio desenvolvimento da cidade, de forma sustentável.
E – Além de pesquisar e escrever sobre, qual é a sua atuação
como pessoa ou cidadão dentro de Magé?
F - Desde o período em que ingressei na universidade, fui
deixando de participar mais ativamente da vida da cidade, não por vontade, mas
necessidade. Trabalhava no Rio, estudava à noite na UERJ em São Gonçalo e desde
o dia em que tive que passar a madrugada no centro de Magé, por perder o último
ônibus para Santo Aleixo, tive que ficar mais distante da minha terra. Dando
continuidade aos estudos, com o mestrado e o doutorado, também casei, veio o
filhote e acabei ficando em Madureira, no Rio de Janeiro. Mas sempre que posso
estou em Santo Aleixo. Meus pais têm casa no distrito, muitos familiares e
amigos moram lá e retornar é sempre um motivo de felicidade. Como historiador
que estuda a cidade, contribuo com artigos em jornais locais, participo de
projetos culturais e, nos últimos anos, tenho discutido, junto com outros
colegas pesquisadores, novas formas de utilização dos prédios históricos
locais, integrando educação patrimonial, restauro dos prédios, criação de
museus ou centros culturais, turismo e desenvolvimento local. Tenho trabalhado
nos últimos anos em museus e acho que posso ajudar de alguma forma. Mas para
isso é fundamental envolver no projeto os proprietários dos prédios,
estudantes, professores, moradores e possíveis investidores, seja por
financiamento coletivo, empresarial ou público.
E – Você define o que falta para que Magé desponte como
cidade promissora ou bem sucedida? Tem ideia do que emperra o progresso dessa
cidade que muitos dizem estar enterrada no Brasil de séculos atrás? Você
concorda com isso?
F - Já ouvi dizer, em tom de brincadeira, que tem “um burro
enterrado em Magé” e por isso a cidade não avança. Digo que não é o burro que
está enterrado ou oculto, mas sim o patrimônio histórico de Magé. Um verdadeiro
tesouro, que anda muito desvalorizado, por má fé ou desconhecimento, mas que
pode viabilizar um futuro promissor para nossa cidade e sua população. Cidades
com menor quantidade de recursos e relevância histórica já conseguiram projetar
seu desenvolvimento ao desenterrar, preservar e valorizar seus tesouros.
Precisamos fazer o mesmo.
E – Fale-nos de seu livro MEMÓRIAS DA MOSCOUZINHO e das
eventuais participações em publicações de contexto histórico.
F - A repercussão do livro tem sido muito bacana, tanto na
cidade de Magé, quanto fora dela. O lançamento que realizamos no dia 1º de
Maio, no Sindicato dos Têxteis de Santo Aleixo, foi emocionante, reencontrando
tantos amigos, professores, familiares e operários, muitos deles personagens
das histórias contadas no livro. O lançamento realizado na Feira do Livro de
Magé também foi especial. Da mesma forma, os lançamentos realizados em
livrarias, universidades e congressos pelo mundo afora, o reconhecimento de
nossa produção acadêmica, como o Prêmio Baixada 2016, nos enche de orgulho e
entusiasmo. Por outro lado, é preciso ter os pés no chão, sonhar sem devaneios.
O “Memórias da Moscouzinho” é o meu primeiro livro e fruto de uma pesquisa
realizada há dez anos. Demorou pra sair, é verdade, mas tudo acabou acontecendo
num momento bacana e estou curtindo bastante a recepção que o livro está tendo.
E – Quer falar de política partidária? Se não quiser,
respeitaremos, mas se quiser, defina para nós o poder público da cidade de
Magé, seus efeitos benéficos e maléficos na vida dos cidadãos. E neste mesmo
enunciado, se quiser, diga se tem pretensões políticas presentes ou futuras.
F - Falo sobre isso sem problemas. Não sou filiado a nenhum
partido, mas obviamente tenho minhas preferências, sobretudo na defesa de
políticas públicas que visam superar desigualdades sociais, preconceitos e
injustiças. Da mesma forma, acredito que a mobilização popular é fundamental
para que a política seja um canal de transformação social. E essa participação
das pessoas deve ser constante, fazendo parte do nosso cotidiano. Assim as
coisas mudam! Nem sempre com a velocidade que gostaríamos, é verdade, mas é o
melhor caminho a percorrer e o mais democrático. Como historiador, relembro que
diversos direitos trabalhistas conquistados ao longo do século XX foram
consequência de décadas de lutas, reivindicações e mobilizações operárias. Os
trabalhadores têxteis de Magé, por exemplo, começaram a lutar pelo Abono de
Natal na década de 1940. Vinte anos depois é que o Décimo Terceiro Salário
virou lei no país. Creio que essas lutas do passado são um grande aprendizado
para nós, pensando o país e o próprio município. No caso específico de Magé,
temos um dado alarmante: nos últimos oito anos, entre 2009 e 2016, tivemos
cinco prefeitos. Foram denúncias de corrupção, afastamentos, vice-prefeito e
presidente da Câmara de Vereadores assumindo a prefeitura... Um caos! E no meio
de toda essa instabilidade política, percebo que a população vem participando
cada vez menos das discussões e muitos estão completamente desacreditados. É
compreensível essa desilusão, mas precisamos refletir que é justamente quando
deixamos de participar desses debates que o mundo da política fica mais
vulnerável ao que tanto combatemos em nossos discursos. E ficar só reclamando
das coisas é muito pouco. É preciso que a população discuta sobre a cidade e
apresente suas demandas e propostas. Se não há canal para isso, que lutemos
para conquistá-lo. Por isso mesmo, não vejo a pretensão política como um
objetivo individual, pois ela deve surgir a partir de um projeto coletivo.
E – Tem um novo livro a caminho? Quer dar uma canja do
mesmo? Sabemos que canja é termo usado para música. Mas vá lá...
F - No ano passado, além do “Memórias da Moscouzinho”, foi
lançado o livro “A Baixada Fluminense e a Ditadura Militar”, uma coletânea
organizada pelos professores Jean Sales e Alexandre Fortes, reunindo pesquisas
de diversos colegas. Tive a felicidade de participar deste projeto,
contribuindo com um artigo que trata sobre a repressão em Magé logo após o
golpe de 1964. Futuramente, há possibilidades de publicarmos outras pesquisas
na versão livro, individualmente ou de forma coletiva. Minha dissertação de
mestrado, por exemplo, sobre a atuação dos operários têxteis eleitos vereadores
em Magé foi premiada com o terceiro lugar no Concurso de Monografias do Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, em 2011, recebendo Menção Honrosa. Outra
possibilidade é a publicação de minha tese de doutorado, defendida em 2015, que
analisa as forças políticas da cidade entre as décadas de 1950 e 70, bem como
suas relações com os trabalhadores rurais e têxteis da região. Mas, por
enquanto, são apenas possibilidades, nada certo ainda.
E – Como você vê a formação escolar das crianças e os
jovens, nas escolas de sua cidade, no que tange a visão de progresso, futuro,
cultura, cidadania? Você acha que eles estão sendo formados com uma visão ampla
desses contextos?
F - Eu acredito que a história local tem um papel importantíssimo
na formação escolar da população de qualquer cidade, envolvendo práticas
culturais, debates sobre cidadania e reflexões a partir do seu lugar. Mas para
isso é preciso investimento e projeto. Na pergunta anterior, por exemplo, você
abordava a questão de novos livros sobre nossas pesquisas e tal. No entanto,
muito mais do que publicações, nossa preocupação é lutar para que todo esse
conhecimento debatido na universidade alcance a população local e que,
principalmente, chegue à escola pública. Para nós, não faz sentido a História
de Magé “bombar” na universidade, com uma série de pesquisas interessantes
sobre a cidade e esse conhecimento não chegar aos mageenses. Vejo que há um
enorme potencial para pensarmos a formação escolar articulada aos debates sobre
o desenvolvimento sustentável da cidade.
E – Quer falar de sua formação acadêmica? O que você cursou?
Em qual instituição?
F - Cursei Licenciatura em História na Faculdade de Formação
de Professores da UERJ, em São Gonçalo, e lá também concluí o Mestrado em
História Social. Depois cursei o Doutorado em História, Política e Bens
Culturais na Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Atualmente, realizo estágio de
Pós-doutorado no Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, em Nova Iguaçu,
ministrando aulas, orientando pesquisas de alunos, desenvolvendo meu projeto de
pesquisa sobre fábricas e trabalhadores têxteis no Brasil, bem como colaborando
com o Centro de Documentação e Imagem da universidade, dedicado em reunir,
digitalizar e disponibilizar fontes sobre a História da Baixada Fluminense.
E – Também se quiser, fale um pouco de sua família e da
importância dela em sua carreira como educador, historiador e, agora, escritor.
F - Embora as atividades de pesquisa e escrita sejam um
pouco solitárias, elas não seriam bem sucedidas sem o apoio de familiares e
amigos. Meus pais, Jorge e Vania, e minha esposa Vanisia acompanharam toda essa
trajetória mais de perto e foram decisivos em meio a tantas madrugadas de
estudo, encorajando meu trabalho com palavras de incentivo, muito amor e
xícaras de café. Outros familiares também nos apoiaram bastante. Além deles,
foi fundamental a parceria e solidariedade de tantos amigos, professores e
colegas de turma. Sou muito grato a eles por tudo.
E – Se você acha que faltou dizer algo que desejaria nesta
entrevista, o ENTREOLHOS é seu. Pode fazê-lo.
Eu gostaria de agradecer ao ENTREOLHOS pelo convite e pela
entrevista. Agradeço também aos leitores pela atenção. Um abraço e muito
obrigado!
E – Muito obrigado; foi um grande prazer entreolhá-lo.
Esta e outras entrevistas também estão disponíveis em:
http://expressoentreolhos.blogspot.com.br/
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