quarta-feira, 12 de junho de 2013

CRÔNICA - A ESTRADA, A MENINA E O ANJO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Aquela moça bonita surgia do nada, pedalando cheia de graça uma bicicleta que só não era mais graciosa do que a ciclista. O menino cabeludo e maltrapilho ficava incrédulo, quando ela parava ao seu lado e dizia, com um sorriso meigo: “vamos; querido”.
O caminho era longo, e ambos não conversavam. Era só uma carona. Um ato solidário. A moça pedalava e o menino ia em silêncio, sem olhar a paisagem do trajeto. Refletia, em seu âmago, sobre o gesto inusitado; que permaneceu inusitado pelos dez ou onze meses de reincidência. No mais, ele só admirava o frescor e a delicadeza; a leveza e o charme; a beleza e a simpatia da moça cujo nome jamais soube. Admirava também a elegância de suas pedaladas... apenas isso... só isso tudo.
Aquelas tardinhas em que o menino cabeludo e maltrapilho; sujo e cansado; tímido e sem perspectiva ganhava de presente a companhia de um anjo na volta para casa, nunca foram esquecidas. Agora mesmo, aquele menino que hoje passa da meia idade, já viveu quase tudo e driblou a não perspectiva, relembra cheio de ternura os momentos mágicos que viveu naqueles meses. Mágicos, pelo gesto raro; pela simbologia; por aquele oásis de humanismo no deserto frio de uma sociedade preconceituosa e cheia de medos egoístas, pelos quais tenta justificar a frieza.
Com toda minha penúria naqueles anos difíceis de atravessar, tive momentos ricos. Muito ricos. Que fizeram a vida valer a pena. Que me fizeram ver que o mundo é bom, porque tem pessoas como a moça bonita, que hoje nem sei se era bonita conforme os padrões da moda, mas aos meus olhos, sim. Ser amável, generosa, desarmada e simples a tornava irresistivelmente linda. 
Sejamos, de alguma forma, os moços ou as moças bonitas de algum momento na trajetória de quem precisa de um gesto; de uma palavra; um olhar; uma gentileza; um socorro.  

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