terça-feira, 15 de novembro de 2011

DOUTORANDO MAGEENSE CONTA A SAGA DOS COMUNISTAS EM MAGÉ

A edição número 16 da revista RIO PESQUISA traz uma matéria de grande importância para o Município de Magé. Sob o título: COMUNISTAS LONGE DO PARAÍSO, a matéria aborda uma pesquisa de Felipe Augusto dos Santos Ribeiro - FOTO - que resgata importantes dados sobre a atuação do PCB em Magé e em toda a baixada fluminense em meados do século XX.  Felipe faz um verdadeiro resgate histórico, tanto quanto político e cultural, passando por nomes de grande vulto no cenário político do país.


A REPORTAGEM


Comunistas longe do paraíso

Pesquisa resgata atuação de políticos do PCB em meados do século XX na Baixada Fluminense

Danielle Kiffer (FAPERJ)

A trajetória política do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e sua presença nas grandes cidades do País estão fartamente documentadas. Ao longo do tempo, contudo, o partido manteve igualmente pólos importantes em cidades do interior que, de acordo com novas pesquisas, podem dizer muito sobre a classe trabalhadora e sobre a história do próprio PCB. Um exemplo é a cidade de Magé, que já foi um movimentado palco de eventos relacionados ao partido junto à classe operária. O município fluminense teve 11 vereadores comunistas eleitos de 1947 a 1964, parte deles ex-operários têxteis e dirigentes nos sindicatos dos trabalhadores locais. Agora, uma pesquisa do historiador Felipe Augusto dos Santos Ribeiro, hoje doutorando na Fundação Getúlio Vargas (FGV), resgata informações sobre essa atuação do PCB em Magé. O estudo resultou em sua dissertação de mestrado, defendida em 2009 na Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Este trabalho permite repensar a política fluminense e a própria trajetória do PCB, pois mostra os militantes comunistas fora dos grandes centros urbanos e exercendo papéis no Parlamento, discutindo leis”, conta o pesquisador, que foi contemplado com bolsa de mestrado da FAPERJ de 2007 a 2009.
Antes de abordar especificamente a questão política, o historiador conta, no estudo, a situação que o município vivia. De acordo com Felipe, desde o século XIX que Magé enfrentava repetidos surtos de malária. “Para que se tenha ideia da gravidade da questão, vale lembrar que, em 20 anos, de 1920 a 1940, a cidade cresceu em apenas cinco mil habitantes, dado a quantidade imensa de óbitos”. Foi neste contexto que o médico sanitarista Irun Sant’Anna, hoje com 94 anos, chegou ao município em 1940, designado para amenizar e controlar a propagação da enfermidade no local. Felipe conta que o médico era filiado ao PCB desde os 18 anos. “Conforme o próprio Irun Sant’Anna relata, ao chegar a Magé, ele pôde unir o útil ao agradável: atuaria com saúde pública, sua grande paixão, e poderia divulgar as diretrizes do partido à população”. Segundo o historiador, o médico viu no município um terreno fértil para a divulgação da orientação política propagada pelo PCB, já que Magé tinha, na época, cinco fábricas têxteis funcionando e uma relevante quantidade de operários.
O historiador relata que o médico, inicialmente, tentou se aproximar dos operários por meio dos sindicatos de trabalhadores que já existiam no município, mas não obteve êxito imediato. Segundo Felipe, Irun Sant’Anna, então, reuniu os comunistas já existentes na região e começou a se aproximar dos trabalhadores têxteis por meio da formação de comissões nas fábricas, que atuavam paralelamente e de forma similar aos sindicatos. Desta forma, das comissões começaram a emergir líderes ligados ao Partido Comunista, abrindo caminho para que muitas campanhas fossem propagadas. “Magé era um município predominantemente operário e a identificação com o discurso dos comunistas foi muito forte. A estratégia de aproximação do PCB junto aos operários foi bastante eficaz”, diz o historiador, que continua: “Na dissertação, eu trabalho com a perspectiva de que Irun Sant’Anna intensificou um processo de acumulação política em Magé, o que acabou formando uma geração de operários têxteis ligados ao PCB, pois ele ministrava cursos e propagava as ideias do partido”. Deste período, de acordo com Felipe, o médico guarda a lembrança de uma ocasião em que foi questionado por um dos trabalhadores. “Ele conta que um operário o questionou onde estaria o imperador do imperialismo de que Irun tanto falava.”
Do grupo de trabalhadores têxteis, logo na primeira eleição municipal pós-Estado Novo, em 1947, três deles foram eleitos vereadores – o ex-operário têxtil José Muniz de Melo e os tecelões Feliciano Costa e Agenor dos Santos –, junto com Irun Sant'Anna, e mais um suplente, o ex-operário da Fábrica de Pólvora Argemiro da Cruz Araújo. Em 1950, foi a vez de elegerem-se o eletricitário José Aquino de Santana, o tecelão Petronilho Alves – diplomado e empossado somente no final do mandato– e a tecelã Ilza Gouvêa, suplente empossada no início do mandato. Já em 1954, foi eleito o líder camponês e ex-operário têxtil Manoel Ferreira de Lima. Nas legislaturas de 1958 e 1962 foram eleitos e reeleitos os operários Astério dos Santos e Darcy Câmara. Como o Partido Comunista estava na ilegalidade à época da primeira eleição, eles utilizaram a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – em eleições posteriores, eles lançaram mão de outras legendas "emprestadas", como o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Entretanto, um acontecimento viria a mudar o rumo desses políticos. O historiador conta que, pouco depois de um ano de mandato, os cinco comunistas foram cassados, mesmo não pertencendo legalmente ao PCB. “A justificativa para a cassação foi que o teor dos discursos desses vereadores no plenário caracterizava-se como comunista”. Felipe conta que houve uma grande mobilização por causa do acontecimento, amplamente noticiado pelos jornais da época, como O Estado, a Tribuna Popular e a A Notícia. Foi justamente por causa desta cassação que a pesquisa do historiador só pôde analisar os documentos legislativos de alguns anos depois. O historiador explica: “Na verdade, não há atas desse primeiro mandato dos comunistas na Câmara Municipal de Magé, cassados em 1948. Foi realmente um episódio muito traumático, e a lacuna das atas justamente nesse período pode ter sido uma tentativa de esquecimento".
É a partir de 1951 que Felipe começa a analisar a atuação dos vereadores comunistas na Câmara do município. Ele destaca uma das discussões que identificou em atas antigas, dos anos 1950. “Vi um registro que descrevia uma forte discussão entre os vereadores, até que um deles foi acusado de comunista. Prontamente, o político respondeu: ‘Com muito orgulho em sê-lo', antes de a reunião ser interrompida. Na reunião seguinte, o mesmo vereador diz: ‘Por questão de ordem, queria retificar que não tenho orgulho de ser comunista, mas agradeço o elogio de Vossa Excelência’. Podemos interpretar isto como um reflexo da cassação ocorrida em 1948”. Felipe ressalta que este é um dos pontos bem trabalhados em sua pesquisa, sobre o quanto a histórica cassação implicou nas formas de atuação dos comunistas mageenses em décadas posteriores. Ainda assim, a presença dos vereadores comunistas junto aos trabalhadores de Magé foi muito ativa. Um exemplo citado pelo historiador foi a “greve do açúcar”, ocorrida em 1959. Nesta ocasião, de acordo com Felipe, houve o racionamento do alimento, mas só para os operários. “Quando eles descobriram a sua exclusão, se rebelaram e deflagraram uma greve. Por este motivo, muitos tecelões foram presos e o presidente do sindicato Astério dos Santos, que também era vereador, os acompanhou até a delegacia. Espalhou-se então a notícia de que ele também havia sido preso. Diante do ocorrido, houve grande mobilização na cidade, até que todos foram soltos”.
De acordo com Felipe, a liderança sindical de Astério dos Santos merece destaque. “Como residente do sindicato, foi reeleito duas vezes, chegando a ocupar o cargo de diretor efetivo da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado do Rio de Janeiro. Desde então, passou a acumular as funções de vereador, presidente do sindicato e diretor da Federação”. Para além do universo têxtil, os comunistas mageenses também obtiveram relevantes conquistas. “O vereador José Aquino de Santana chegou à presidência do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de Niterói (STIEEN) em 1958, permanecendo até 1964. Já o vereador Manoel Ferreira de Lima foi eleito primeiro presidente da Associação dos Lavradores do Município de Magé, fundada em 1956, tendo também ocupado o cargo de tesoureiro da Federação das Associações de Lavradores do Estado do Rio de Janeiro (FALERJ), criada em 1959”.
O historiador também teve acesso ao prontuário individual de Irun Sant'Anna no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “Este documento me ajudou imensamente, pois além de ser uma fonte inédita e de difícil acesso, me mostrou o outro lado da história que eu investigava, a atuação dos agentes da polícia política em Magé. No prontuário, encontrei diversas listas de comunistas do município, por exemplo. Em minha pesquisa de doutorado estou analisando mais a fundo essas fontes”. Para Felipe, este projeto não só ajuda a compreender a situação política do PCB de um ponto de vista diferente, como também revela uma classe trabalhadora politicamente ativa, ao contrário do que alguns estudos mostram. Sua dissertação de mestrado, intitulada “Operários à tribuna: vereadores comunistas e trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964)", foi premiada com a terceira colocação na edição 2011 do concurso de monografias do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), recebendo Menção Honrosa.

Pesquisador: Felipe Augusto dos Santos Ribeiro
Instituição: Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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